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Os novos tempos da UFGD (Livre)

outubro 21, 2015 5 comentários

Por Wender Carbonari*

Na segunda-feira passada (19/10), os estudantes matriculados na UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) retornaram às aulas após quatro meses de greve dos professores e técnicos-administrativos da Universidade. No campus, os blocos continuam nos mesmos lugares, cada tijolo, cada árvore e cada banco. Mesmo assim, a UFGD parece diferente do que era há alguns meses e pouco ou nada disso tem qualquer relação com a maior greve enfrentada nesta curta história da Federal douradense.

Foto: Franz Mendes

Foto: Franz Mendes

Faço questão de recordar que, pouco antes do início da greve, em maio deste ano, tomaram posse da reitoria os representantes do “Movimento UFGD Livre”, vencendo as eleições com argumentos sustentados na base de clichês em favor da despolitização do ensino e com apoio de setores da sociedade que compartilham das mesmas opiniões carregadas de intenções que não foram colocadas em evidência.

Mas eis que a nova gestão começa a “mostrar cara” por meio de suas primeiras ações envolvendo os alunos da Universidade. Estes não podem mais permanecer no interior das salas quando não estiverem em aula. A ordem – imposta de cima para baixo e informada através de folhas A4 coladas nas portas – é que as salas fiquem trancadas e com aparelhos de ar-condicionado desligados para evitar que os alunos danifiquem os objetos. Uma das primeiras ações da gestão do grupo que exaltava a “liberdade” enquanto característica principal, vem para justamente privar os alunos desta condição.

Tem mais. As mudanças na forma de organização do ENEPEX (Encontro de Ensino Pesquisa e Extensão) não parecem levar em consideração as condições financeiras dos estudantes. Neste ano, quem optou por participar do evento foi obrigado a pagar uma taxa de 20 reais. Ainda assim, o pior estava por vir. Ao contrário do que ocorreu no ano passado, a imensa maioria dos participantes não puderam apresentar seus trabalhos oralmente, sendo todos encaminhados para uma “apresentação de banners” que acontecerá amanhã (22/10).

O resultado disso é que os estudantes acabam perdendo a oportunidade de viver a experiência de apresentar suas pesquisas em um evento oficial, ao mesmo que força a impressão massiva de banners que poucas pessoas vão ler, quase nada vai acrescentar em questão de experiência acadêmica, mas que deve elevar o lucro de algumas gráficas da cidade.

Vai vê que é essa a tônica da nova gestão. Veremos.

*Aluno do Curso de Ciências Sociais da UFGD/Jornalista

Praças e parques de Dourados pedem socorro

(Original publicado no jornal DiárioMS, edição do dia 19 de janeiro de 2015 – Fotos de Eliel Oliveira)

Praça da Juventude, no bairro Parque das Nações I

Praça da Juventude, no bairro Parque das Nações I

Por Wender Carbonari

As poucas áreas destinadas ao lazer da população em Dourados estão em completo estado de abandono, no que diz respeito à limpeza e manutenção de equipamentos. Dos quatro lugares percorridos, apenas um apresenta boas condições de uso. Já as outras três áreas, estão precisando urgentemente de alguma atenção da prefeitura. Douradenses de diferentes bairros, entrevistados pela equipe de reportagem, reclamaram da situação de parques e praças da cidade.

Há anos nesta situação, moradores de Dourados percebem que a cidade possui bem mais que apenas quatro áreas de lazer com problemas estruturais. Porém, a Praça da Juventude se destaca. A área fica no bairro Parque das Nações I. Ao chegar ao local, o DiárioMS percebeu que o empreendimento orçado em R$ 1,8 milhão estava completamente depredado, mas, o mais curioso, é que o espaço não foi sequer inaugurado oficialmente.

O agente patrimonial que faz ronda na Praça do Parque das Nações I contou que começou a trabalhar apenas em novembro, quando o ambiente já estava com todas as paredes pichadas e com janelas e portas quebradas. Fios de energia e lâmpadas também foram furtados. A dona de casa Rosângela Pereira de Assis, 33, lembra que “depois que a obra parou, as pessoas começaram a entrar e usar a praça, mesmo antes de terminar sua construção”.

A Praça da Juventude teve as obras iniciadas em 2011 e deveriam ser entregues em 2013. O que antes representava um sonho para os moradores acabou se tornando motivo de preocupação para aspessoas que moram próximas da praça. “Antes a gente estava até feliz por causa da pracinha, mas hoje serve só para dar ‘dor de cabeça’. Os pais se quiserem levar os filhos para brincar ali, têm que ir junto, porque sozinho é muito perigoso”, relata a dona de casa.

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Praça da Juventude, no Parque das Nações I

Rosângela mora na rua dos fundos da praça inacabada e reclama da falta de segurança e do “problema” que o empreendimento tem causado aos moradores. “Não tem guarda a noite e não é seguro para a vizinhança. Mesmo com a Guarda Municipal passando para fiscalizar”.

Praça da Juventude, no Parque das Nações I

Praça da Juventude, no Parque das Nações I

PARQUE DO LAGO

O Parque Antenor Martins também apresenta problemasestruturais, principalmente nos banheiros e no parquinho. Guardasmunicipais que trabalham no Parque do Lago relataram as constantes reclamações de usuários da área de lazer.O parquinho, por exemplo, não apresenta condições para as crianças brincarem sem correr risco de se machucarem. O mato alto também é fator de risco para os usuários.

Parque Antenor Martins, Jardim Flórida

Parque Antenor Martins, Jardim Flórida

Para se ter uma ideia, o escorregadoré reparado com uma massa de preenchimento de espaços conhecida pela marca “Durepoxi”.No banheiro, os mictórios estão todos entupidos e uma das torneiras só pode ser aberta com a ajuda de um alicate.

Parque Antenor Martins, Jardim Flórida

Parque Antenor Martins, Jardim Flórida

TRANSBORDO

Não são apenas as áreas públicas de lazer dos bairros de Dourados que estão precisando de manutenção. Logo na entrada da Praça Antônio Alves Duarte, localizada ao lado do terminal de transbordo, havia uma torneira com vazamento, amarrada por um pedaço de borracha. Os bancos de uma das praças mais antigas da cidade estão quebrados, além das calçadas com buracos e matagal no local onde existia um parquinho.

 Praça Antônio Alves Duarte, centro de Dourados

Praça Antônio Alves Duarte, centro de Dourados

Maria Aparecida, 40, estava sentada em um dos bancos que ainda estão inteiros quando foi abordada pelo DiárioMS. Ela disse que estava esperando um parente e lamentou o desprezo por um dos locais que para ela deveria ser cartão postal da cidade. “Morei por oito anos em frente a esta praça e quase sempre foi assim, abandonado”, lamenta.

BALTAZAR MARQUES

A Praça Baltazar Marques, localizada numa das esquinas das ruas Joaquim Teixeira Alves com Coronel Ponciano, é outro retrato do desleixo, apesar de que está bem próxima do terminal rodoviário da cidade e na mesma área que abriga o Imam (Instituto do Meio Ambiente) e a Guarda Municipal. O mato tomou conta de tudo e as quadras de esportes, há anos, não apresentam condição alguma de uso. O local deverá abrigar, em breve, a sede da Câmara Municipal.

PARQUE ALVORADA

A única área de lazer visitada que se encontra em bom estado de uso éa praça do Parque Alvorada, inaugurada em 2011. Apesar da grama um pouco alta, a estrutura ainda está conservada, com banheiros com torneiras e mictórios funcionando normalmente. Foram investidos na área que fica ao lado da Escola Municipal Aurora Pedroso de Camargo quase R$ 2 milhões, garantidos por meio de emenda extraordinária no orçamento do Ministério do Turismo, com contrapartida dos governos estadual e municipal.

MAIS FOTOS

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Praça da Juventude, Parque das Nações I

 

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Praça da Juventude, no Parque das Nações I

Parquinho da praça do bairro Parque Alvorada

Parquinho da praça do bairro Parque Alvorada

O cinismo do 4º Poder

“Seria uma espécie de censura à imprensa por meio de um projeto que a ala mais radical do partido apelidou de regulação da mídia.”

 

Para Pedro Ekman, do Intervozes, “o entendimento que se começa a ter do problema é que ele não se refere só aos políticos, mas também ao monopólio da comunicação, pois o povo que não se vê representado pelos políticos também não se vê representado pela mídia”.  - Imagem de mobilização da CUT (Central Única dos Trabalhadores)

Para Pedro Ekman, do Intervozes, “o entendimento que se começa a ter do problema é que ele não se refere só aos políticos, mas também ao monopólio da comunicação, pois o povo que não se vê representado pelos políticos também não se vê representado pela mídia”. – Imagem de mobilização da CUT (Central Única dos Trabalhadores)

 

Por Wender Carbonari

 

Se a imprensa é um mercado, o material jornalístico se torna produto. A diferença deste mercado para outros estaria no poder ideológico existente nos veículos de comunicação. Um jornal impresso, por exemplo, pode fazer mais do que vender informações mas, ao mesmo tempo, vender opiniões. Pode, inclusive, defender aquilo que lhe convém e convencer milhares de pessoas que este é o melhor posicionamento a ser seguido. A defesa de ‘si mesmo’ em nome de uma liberdade de expressão que na prática só existe para poucos.

 

É este o tema que o editorial do jornal O Progresso aborda na edição do dia cinco de novembro de 2014. O título vem com um tom sarcástico: “Culpando a imprensa”, sobre declarações da Presidenta Dilma Rousseff em um discurso recente. Mas as bandeiras em favor da democratização da mídia, que deve ser iniciada por uma regulação do setor, não é exclusiva do PT, nem tem a ver com o caso da Petrobras. Mesmo assim, o editorial, que faz coro com tantos outros veículos do país, ataca da seguinte forma:

 

“Fica claro, portanto, que não existe nada de republicano no projeto de regulamentação [talvez aqui queiram dizer ‘regulação’] da mídia brasileira e que essa não passa de mais uma manobra para impor a censura aos veículos de comunicação. Por sorte, o Estado Democrático de Direito está consolidado e o Brasil possui instituições democráticas comprometidas com a liberdade de expressão para se opor a qualquer tentativa de cerceamento do trabalho da imprensa ”.

 

Eu te pergunto, a diversidade ideológica e cultural do Brasil é representada pela mídia? O trabalho feito pela imprensa no Brasil da maneira que se encontra hoje não possui cerceamentos? Os ditadura-da-midiajornalistas são realmente livres de interferências no seu trabalho? Consulte alguns destes profissionais e perceberá que existem balizas no trabalho feito pela imprensa e que estas balizas não são, necessariamente, pautadas no interesse público. A liberdade defendida pelo editorial do jornal de Dourados – assegurada pelo nosso Estado Democrático de Direito – é, primeiramente, a liberdade das grandes EMPRESAS/Veículos de comunicação.

 

A censura também vem de berço, bancada pela incapacidade de muitos de pensarem fora dos parâmetros preestabelecidos. Não foi a toa que cassaram a obrigatoriedade de estudar jornalismo para ser jornalista, mesmo que algumas escolas não promovessem reflexões fora do jornalismo como mercado, como uma empresa ‘igual as outras’. Afinal, não é interesse destes que defendem a tal liberdade de expressão para poucos que aconteça uma reflexão do trabalho da imprensa. O que interessa a eles é justamente a conservação do poder ilimitado aos mesmos de sempre.

 

Se em nosso país é reproduzida a ideia de que os poucos grupos que tem acesso a esta ‘liberdade de expressão’ possuem esta bênção ‘por direito’, é porque os mesmos escolheram ter esta plena liberdade de hegemonia e oligopólios. Eles são os próprios juízes deste debate. A descentralização da mídia não significa uma imprensa acrítica, até porque o relacionamento mercadológico – tanto com setores públicos quanto privados – dos atuais grupo hegemônicos não permitem que a imprensa tenha um posicionamento crítico da realidade, mas acabam sendo porta-vozes dos antagonismos destes mesmos grupos que injetam dinheiro e faz a máquina da imprensa girar.

 

Em meio a tudo isso, observamos as pessoas lendo, assistindo e escutando apenas um lado das histórias e, ao mesmo tempo, acreditando na objetividade, ou mesmo na tal ‘busca’ pela imparcialidade – palavras que são bonitas, mas não passam das ideias assépticas.

 

Sobre este mesmo tema, em um comentário na rede, um internauta chama atenção para o que seria a regulação da mídia como o incentivo a criação de ‘TVs públicas partidárias sustentadas pelo povo’. Mal sabe ele que a maior parte da verba federal destinada à mídia vai para as Organizações Globo – entendes-se esta como um conglomerado de jornais espalhados pelo país, de rádios, de canais de TV e de portais na internet. Ou seja, programas como o Zorra Total também são mantidos – mesmo que parcialmente – com dinheiro ‘do povo’. E vai me dizer que a TV Globo não tem partido?

 

*Jornalista.

 

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levante

Especial Semana da Mulher: Valmíria, a avó da comunidade indígena

Reportagem publicada há um ano no Dourados News para o Especial Semana da Mulher.

Na época visitei a dona Valmíria, a avó da comunidade indígena, hoje com 70 anos.

Valmiria mora há 69 anos na Reserva Indígena de Dourados - Fotos Wender Carbonari

Valmíria mora há 69 anos na Reserva Indígena de Dourados – Foto: Wender Carbonari

Por Wender Carbonari.

Qualquer pessoa que a visse, mesmo que pela primeira vez, teria de chamá-la de “vó”. Valmíria Rodrigues tem 69 anos, todos vividos na aldeia Bororó em Dourados.

No mesmo pedacinho de terra ela criou cinco filhas, duas delas adotivas. A legítima avó da comunidade indígena tem ainda 21 netos e seis bisnetos.

Dona Valmíria foi convocada por uma das netas para dar entrevista ao Dourados News. Com expressão serena e passos lentos, a avó nos convidou para entrar no quintal, buscou a própria cadeira sem deixar que os mais novos a ajudasse e, mesmo sem saber o motivo da conversa, deixou que reportagem começasse a fazer as perguntas.

Logo, dois dos seus bisnetos nos interromperam para pedir algo. Concentrada, mas com afeição, ela explicou que estava conversando com o ‘rapaz do jornal’. “A vó não pode pegar no colo”, foi a primeira fala dela registrada no gravador. Perguntei logo se eu poderia tirar algumas fotos dela e da residência. “Pode fica a vontade”, disse logo, já se levantando e me conduzindo até o portão dos fundos, onde toda a área é coberta pela sobra das mangueiras, onde o chão é de terra bem batida com um barulho contínuo dos animais no quintal.

O portão que dá acesso à varanda é de lata, os moveis eram simples, mas estava tudo muito bem organizado. Já de início, ela mandou um clichê: “no nosso tempo era diferente, sabe”. Engraçado, nem tinha começado a perguntar e a avó da falava uma frase que resumia a minha pauta. Era mesmo nesse tempo diferente que eu estava interessado. De cara percebi que a dona Valmíria adorava contar histórias.

A avó disse que casou com 19 anos e teve sua primeira filha com 22. Contou algumas histórias felizes do seu tempo de juventude, mas também de tempos difíceis. Afinal, após 12 anos de casamento, o marido de Valmíria foi embora para se casar com outra mulher. Desde os 31 anos ela seguiu sozinha a vida de mãe, de avó e de amiga das pessoas que a procuram.

O que Valmíria tem mais saudade é dos tempos em que não existia a violência exagerada na aldeia. De acordo com a indígena, “naquele tempo” (nos anos 70 até final dos anos 80) as casas na aldeia Bororó eram mais distantes umas das outras, havia menos pessoas, não existia problemas com drogas e por isso, para ela, era um ambiente mais seguro.

A avó demonstrava empolgação em falar de seu tempo. A expressão só mudou quando a pergunta se referia a violência contra a mulher na aldeia. Imediatamente, o assunto lembrou de problemas na própria família que envolve o contato com o abuso do álcool e agressões físicas e verbais contra mulheres próximas dela. Casos de maridos que batem nas esposas na comunidade são comuns, tão comuns que deixa a dona Valmíria triste. Com quase 70 anos de experiência ela espera mais união das mulheres da aldeia.

Foto: Wender Carbonari

Foto: Wender Carbonari

“Tem que ter coragem e conversar com as mais novas. É porque a gente sente bastante, quando uma mulher que você conhece apanha, parece que dói em você também. Junto já é difícil, cada um no canto sofrendo quieto é ainda pior. Nós mulheres devemos nos levantar”, comenta a avó sobre a violência contra as indígenas.

E dona Valmíria parecia mesmo que sentia as dores de seus semelhantes. É nítida a preocupação com o futuro dos jovens. Para ela, a aldeia se tornou um ambiente propício ao envolvimento precoce com o sexo e com as drogas.

“Na aldeia as crianças viram adultas muito cedo. Começam a fuma, começam a beber, começa a participar das festas, começa a sair sozinha. Aí o que a gente mais vê são meninas, as vezes com menos de 12 anos, que acabam grávidas e tem que criar o filho sozinha porque o menino vai embora, ou nem tem condições. Mas é muito cedo. Tem que conversar, porque são só crianças”, lamenta.

Ela afirma ter morado em apenas duas casas ao longo dos 69 anos. A primeira casa foi queimada de maneira criminosa. Era uma das histórias tristes que ela preferiu não me contar e eu respeitei. Valmíria é uma mulher gigante com pouco mais de 1,60 m. Minutos após a entrevista acabar ela já foi em direção a uma roda de tereré. Cumprimentou as pessoas presentes, sorriu, pegou o bisneto no colo e fez brincadeira sobre o peso da neta. “Não que a vida esteja fácil”, comentou ela, “mas prefiro conviver com minha família com paz e a alegria”.

Tinham se passado horas e eu sabia que já devia estar na redação redigindo o texto, mas fiquei um pouco mais para tomar um tereré com as pessoas que me ajudaram a encontrar a casa da dona Valmíria na Aldeia. O vento fazia a poeira levantar obrigando  todos a protegerem os olhos. Na roda de sua família a avó mostrava um comportamento diferente do que teve na hora em que dava entrevista. Fazia brincadeiras e sorria o tempo inteiro, descontraída, diferente do que mostrou as fotos.

Já passava das cinco da tarde e resolvi ir embora. Voltei para redação satisfeito, mas apreensivo. Havia me distraído de tal maneira, durante todo o tempo que passei na casa da avó Valmíria, que ainda não tinha pensado em como transformaria aquilo tudo em uma reportagem para um site jornalístico. Ainda confuso, decidi deixar de lado alguns padrões que são por vezes necessários, mas nos limitam, e comecei a escrever e reescrever.

Após um ano percebo quantas direções poderia ter seguido neste mesmo texto, se fugisse ainda mais desses padrões. Mesmo assim, não me arrependo de ter feito desta maneira.  Eis aí um jornalismo de imprecisão.

(claro que não era esse o final da matéria publicada no Dourados News hahaha)

Versão editada:

http://www.douradosnews.com.br/dourados/especial-semana-da-mulher-valmiria-a-avo-da-comunidade-indigena

Fábula dos cotovelos

agosto 23, 2013 1 comentário

Foto - Wender Carbonari / Jornal de Rolé

O sujeito magro, quase careca, daqueles de poucos fios ao lado da cabeça, com uma barriga saliente e o pensamento no umbigo do mundo, tira a carteira do bolso e se identifica para o despachante.

– Sou jornalista – diz.

– Jornalista é?

– É, jornalista!!!

– E porque o jornalista precisa de um despachante?

– Quero fazer uma reportagem comparativa e preciso entrar em dois lugares muito diferentes. Você pode me ajudar?

O despachante analisa a face amarela do homem à sua frente. Fixa os olhos na testa longa, umedecida, revelando a oleosidade da pele fina. Tenta adivinhar seus pensamentos, mas esbarra na concentração tibetana do jornalista, que devolve o olhar fixo com uma intensidade ainda maior, quase fulminante, reservada apenas àqueles que acreditam ter uma missão a cumprir.

– E a que lugares o amigo deseja ir?

– O céu e ao inferno – respondeu o repórter.

– hummmmmm!!!! Não é tão difícil. As estradas parecem opostas, mas são paralelas. Da gaveta da escrivaninha, o despachante puxa uma lista de formulários já carimbados e entrega-os ao repórter. Após o preenchimento, assina dois passes quase idênticos, grampeia os canhotos e fichas e coloca-os em plásticos transparentes.

– Aqui estão os passes. São válidos para uma única estrada em cada local. Você sabe a quem procurar?

– Sei – respondeu o jornalista.

– Então, boa sorte.

Com os documentos no bolso, o jornalista encaminha-se para o inferno. É recebido pelo Demônio em pessoa no portal de fogo que dá acesso ao local. Passa por um corredor estreito, vira à direita em uma pequena antessala e logo se depara com o salão principal, de tamanho infinito, onde estão milhares de pessoas.

Ao analisar os habitantes daquele antro, repara na felicidade geral. Todos estão cantando, dançando e rindo à toa. Parecem gozar de boa saúde, não tem aborrecimentos, passam o dia em festas, não há ofensas, doenças, humilhações, inveja ou qualquer outro tipo de mazela. A paisagem é paradisíaca. Árvores frutíferas, cachoeiras, rios de água transparente, longos vales e montanhas. Um lugar fantástico, pensa, não fosse por um único detalhe: depois de um certo tempo, todos acabam morrendo de fome, já que os moradores do inferno tem os cotovelos invertidos e não podem levar a comida até a boca.

Sem conseguir tirar aquela imagem da cabeça, retira-se pela mesma porta por onde entrara.

Intrigado e perplexo, segue viagem rumo ao céu, a segunda metade do itinerário de sua reportagem, imaginando a frustração que deve ser morrer de fome em um lugar tão bonito como o inferno. Tudo por culpa dos cotovelos invertidos. Quando chega o destino, passa pelo mesmo ritual. Entrega os documentos a São Pedro, que o conduz a um grande portão de nuvens. Passa por um corredor estreito, vira à direita numa antessala, e, novamente, depara-se com um salão infinito. Lá dentro, a surpresa: estava diante das mesmas pessoas, das mesmas paisagens, da mesma felicidade.

No céu, assim como no inferno, todos riam, todos tinham saúde também e passavam o dia em festas. Da mesma forma, ali estavam as árvores frutíferas, os rios, os vales e as montanhas, como se fossem cópias do que vira na primeira parte da viagem. Passou, então, a observar os habitantes do céu e logo percebeu que eles também tinham os cotovelos invertidos. Pensou:

– Aqui, eles também devem morrer de fome depois de um tempo.

Estava errado. No céu, ninguém morre de fome, por que cada um leva comida à boca do próximo na hora das refeições. E essa é a única coisa que o diferencia do inferno.

Do livro “Jornalismo Literário”, de Felipe Pena. 

Esta é uma história irreal.

Por Wender Carbonari, para o jornal De Rolé

Fotojornalista Viviane Moos – Esteve no Rio de Janeiro para documentar a realidade de crianças de rua. Fazem parte do Diário das Ruas do Brasil, livro de Fotografia Dibital Interativa.

Fotojornalista Viviane Moos – Esteve no Rio de Janeiro para documentar a realidade de crianças de rua. Fazem parte do Diário das Ruas do Brasil, livro de Fotografia Dibital Interativa.

– Meu Deus, onde esse mundo vai parar. Estes jovens estão cada vez mais perigosos. É por isso que eu digo que “bandido bom é bandido morto”, se for ‘menor’, melhor. Só antecipa o que já iria acontecer – comentou, na rede social, uma senhora de uns 40 anos, ao ler a chamada de uma notícia na qual informava sobre a apreensão de uma pistola de calibre 38. A arma estava nas mãos de um adolescente de 15 anos, pele morena, cabeça baixa nas imagens publicadas naqueles sites de interior.

Horas antes, ainda no caminho ao trabalho, a mulher havia passado em uma rua em que era possível ver moradores de rua e usuários de drogas dormindo em espumas e papelões jogados por cima de muretas de concreto. Naquele mesmo local, de noite, havia travestis e prostitutas desfilando. Uma zorra. Ela sentia um cheiro horrível sempre que passava lá, mesmo se não estava perto. Uma mistura de fezes e a carniça de um animal morto. Até com o vidro fechado sentia aquele odor. Sempre que via um morador de rua, sentia o mesmo cheiro. De perto ou de longe, não importava. “Como pode todos federem do mesmo jeito?”.  Ela sentia o fedor e sentia ódio.

Certa vez, em entrevista, o cientista político, Carlos Novaes disse que a mídia no Brasil, de forma genérica, possui a editoria policial como carro chefe. Isto porque, há tempos, a própria imprensa se convenceu que o maior problema da sociedade era justamente este, a violência urbana. Então é natural, que fiquem intrigados, incomodados e ameaçados pela violência.

A senhora se sentia assim, invadida, e fez um comentário agressivo. Todos que liam podiam sentir o ódio dela por aquele marginal de uns 40 quilos. Gosta de defender bandido, leva um pra casa? É o que diria aos que ousassem criticá-la. Nunca tinha entrado em uma delegacia, nem levado multa no trânsito, nem usado drogas. Nem ela nem seus filhos. Era uma pessoa de bem e gostava disso. Daquelas que vão a manifestações por paz, mesmo no sábado de manhã, e doa cesta básica naqueles programas em época de natal promovido, normalmente, por igrejas.

Mesmo depois de passar semanas, ela ainda tinha a impressão de sentir aquele odor. Ao lembrar, a raiva dominava seus pensamentos e a pele logo ficava vermelha.

Para aquela senhora do comentário, pobre era pobre porque tinha preguiça. Ladrão era ladrão porque nascia com DNA pra ser vagabundo e viciado tinha que apanhar. “O mundo é injusto”, pensava sempre que assistia o jornal de fim de tarde do Datena. “Por causa da presença destes monstros na terra não podemos ser felizes e livres por completo”, continuava seu raciocínio. Ninguém se manifestou em desfavor ao comentário dela na rede social. A cidade não é tão grande e as pessoas se conhecem. Na verdade, houve outras observações, uma enxurrada de xingamentos e desejos de morte ao menino que havia sido identificado como autor de um assalto a uma padaria há duas semanas. Ele confessou ter usado o dinheiro para comprar crack.

Tornou-se um clichê este tipo de ocorrência, mas uma possível solução estava por vir. A explicação para os problemas como os assaltos e o tráfico é a proximidade com a capital do Estado e o enfraquecimento dos valores familiares, então, o prefeito prometeu aumentar a frota de policiais. O concorrente nas eleições passadas chegou a afirmar que era um problema de saúde pública. Caiu nas pesquisas e perdeu. “Queremos segurança para nossos filhos”, afirmava a propaganda eleitoral do ganhador que garantiu reações em curto prazo. Em três meses, de fato houve um aumento na frota de policiais, operações foram montadas, semanas após semanas de combate, muitos traficantes morreram e muito sangue foi derramado na guerra contra o narcotráfico. Tudo pela paz. Rendeu notas e notícias na imprensa, prêmios e comemorações pelo trabalho bem feito.

Após dois meses, o capitão da polícia militar do batalhão foi entrevistado ao vivo no programa de TV sobre a longa operação. Era hora de exaltar o trabalho realizado por ele e seus companheiros.

– Neste momento, posso afirmar que a cidade está mais segura. Fizemos uma varredura e fechamos 22 bocas de fumo – confirmou a quantidade olhando para um discreto lembrete que estava nas mãos. O respeitado capitão lembrou, ainda, dos casos frequêntes de assalto a mão armada que reduzira 70% em comparação com o mesmo mês do ano passado. Agora, os moradores de rua, travestis, prostitutas de rua e usuários de drogas – os que ficavam misturados aos mesmos sem tetos – tinham desaparecidos junto com as bocas de fumo. O município estava limpo e era exemplo para as vizinhas. Os poucos que se perguntaram sobre o destino daqueles mendigos, dependentes e afins, se calaram. Fingiram que não viram nada.

Claro que a senhora do comentário carregado, e que sofria com aquele cheiro odioso de carniça, em fim se sentia um pouco feliz. A Justiça está feita. O Estado fazia seu papel em favor das pessoas de bem que se sentem presas e cercadas pela maldade suja do mundo. A mídia também fazia sua parte, levando os fatos até a casa dos cidadãos. O cidadão, por fim, se sentia beneficiado. Era até possível imaginar um mundo onde estes poderes tinham, como razão de existir, a garantia do conforto e segurança do povo.

De dentro do carro, a mesma senhora seguia novamente para seu trabalho depois do almoço. Ao passar naquele local onde dormiam os infelizes percebeu, além da ausência deles, que a prefeitura havia refeito a pintura das muretas que eram usadas de cama. Era impossível evitar as lembranças, assim como o que sentia por todos que ficavam ali e tinham aquele espaço como um lar. Após alguns segundos, ela levou um susto e sua felicidade – ou seja lá como queira chamar o que esta mulher sentia – acabou no mesmo instante. Haviam ido embora, todos, mas seus sentimentos continuavam os mesmos.

 

Tudo em vão. O mesmo cheiro podre que entrava por suas narinas parecia ainda mais forte, inconfundível e aterrorizante.

Ela sentia o fedor e sentia ódio. E se sentia ódio o fedor voltava.

– Então você é neto do Theodorico Viegas?

– Sou. Conheceu?

Theodorico Viegas foi jornalista em Dourados; Criou o jornal 'folha de dourados" em 1968

Theodorico Viegas foi jornalista em Dourados; Criou o jornal ‘folha de dourados” em 1968

– Claro, claro. Conheci ele no final dos anos 60 – abriu um sorriso como se estivesse recordando algo bom.

– Faz tempo em, a cidade devia ser outra.

– É, muita coisa era diferente em alguns aspectos.

A gente nunca sabe quando vai começar uma das melhores conversas da vida. Aquele homem idoso não parecia muito entusiasmado em conversar comigo sobre estes velhos tempos, em que conheceu meu avô. Acredito que isso acontece porque muitos dos jovens não mostram entusiasmo ao escutar o clichê “como era diferente naquela época”.

Mas eu fiquei curioso. Tentei manter um pouco mais o assunto.

– Da onde que o senhor conhecia o meu vô, do jornal?

– Não, o seu avô era uma figura conhecida na cidade, mesmo antes de lançar o “folha de dourados”. Antigamente, nos anos 68, 69, 70, 71, existia um grupo de pessoas em Dourados que se juntavam lá no centro, na praça. Fazia parte seu vô e eu. Era um grupo grande. Toda tarde estávamos alí tomando vinho, fazendo música, conversando sobre o cotidiano, conversando sobre política. Lá ficava, digamos assim, uma elite pensante da cidade na época. Encontravam-se estudantes, professores, artistas, ativistas, jornalistas, políticos de esquerda, em fim, pessoas que tinham uma visão mais crítica do que estava acontecendo no Estado e no mundo. Teu vô era o primeiro a chegar e o último ir embora. Gostava muito dos encontros, de conversar com as pessoas.

A esta altura do que aquele senhor me contava, já havia mais de cem perguntas para fazer. Chamou-me atenção a existência deste grupo que ele objetivava de “pensante”, inclusive, que destas reuniões saíram políticos, jornalistas, professores, ou seja, líderes importantes de Dourados.

Dourados, avenida Marcelino Pires, 1976

Dourados, avenida Marcelino Pires, 1976

Há de se lembrar o quanto era diferente a cidade e do quanto era diferente o processo de aquisição de conhecimento e informação. Antes que eu perguntasse sobre este assunto, aquele senhor declarou:

– Eram alguns dos anos mais intensos da ditadura. Os militares ficavam de olho na gente, sabiam que poderíamos nos tornar uma ameaça. E na verdade éramos mesmo, mas na época nem tínhamos noção disso.

– E Dourados, como estava?

– Atrasado. Só tinha asfalto na Marcelino Pires. Os jornais de São Paulo e Rio de Janeiro chegavam aqui um mês depois de publicado. Agente pegava informação com os caixeiros viajantes para saber o que estava acontecendo em outros lugares.

– E o jornal do Theodorico, sofria pressão?

– Todo mundo sofria pressão. Seu avô tentou diversas vezes impor algumas de suas opiniões, mas se deu mal. Chegou a ser levado para Ponta Porã onde rasparam-lhe a cabeça, devem ter agredido ele também. Tudo porque tinha publicado algo que não “devia”. Manifestou-se, no editorial do jornal, contra a construção do presídio de segurança máxima em Dourados. Disse que a cidade precisava de hospitais e escolas, não podia manifestar opiniões contra o governo de nenhuma forma. Muitos amigos aqui de Dourados foram até Ponta Porã para pedir que soltassem o Viegas, acho que ficou uma semana preso lá.

Depois de alguns minutos conversando sobre a ditadura militar – eu fazendo perguntas e ele mergulhado em lembranças – houve um silêncio. Fiquei pensando um pouco em tudo que havia acabado de escutar. Mas aquele sábio senhor havia me dito algo que, ao fim do papo, me deixou encabulado. Disse que a cidade estava “muito diferente em alguns aspectos”.

– Em que aspeto não é diferente? – cortei o silêncio no carro.

Ele riu. Eu não.

– A luta sempre continua, na medida em que a vida se renova. Não é hora de você entender, mas vai.

Silêncio de novo. Queria uma resposta mais direta. Mais analítica.  Mas desta vez deixei ficar por isso mesmo. Queria ter feito a mesma pergunta para o meu avô, não fiz e não posso fazer mais.

Mudei de assunto e lamentei que havia esquecido uma blusa e na parte da noite a temperatura iria cair.

– Não acredito que esqueci o casaco – falei naquele tom de desespero.

– Não trouxe casaco né. Mas você é novo ainda. Aos poucos a vida vai ensinando, ensinando e ensinando.

E dava para perceber que não se tratava, exatamente, do casaco.

Wender Carbonari, estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.

Josnalistas recebem premio na Câmara Municipal de Dourados. Theodorico Viegas é o terceiro, contando da esquerda para direita

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Despretensiosamente

Por Wender Carbonari.*

“Para Nooossa alegria”. Até esses dias não falavam em outra coisa. O garoto anônimo fez ‘sucesso’ após postar um vídeo tosco na internet. Mais recentemente, as redes sociais estavam lotadas de “posts” atacando ou apoiando o Sport Clube Corinthians na copa Libertadores da América. “O Brasil está dividido entre corintianos e os ‘Anti-corintianos’”, esqueceram da “massa” que defeca para estas discussões. Faz pouco tempo, o Orkut era febre. Os mesmos que usavam a plataforma, agora condenam os que insistem em usar a rede social que foi tão popular no Brasil.

São modas que passam. Tanta gente se preocupa muito, se dedica a discutir e xingar até a própria mãe, por algo passageiro, na maioria das vezes, inútil e distante da realidade da maioria dos brasileiros. Poderia escrever mais 50 mil caracteres citando exemplos de modas que passaram. Você ainda gosta da “dança do creu” ou do “Rebolation”? Não? Porque? Já sei, porque não está na moda não é?

A modalidade esportiva Mixed Martial Arts, ou MMA, é a nova ‘badalação’ dos brasileiros. Essa modinha (porque, falando de maneira generalizada e superficial, o brasileiro nunca gostou de assistir lutas) vem acompanhada de um tempero preocupante. Há quem acredite que torcer pelo Anderson Silva e se mostrar ‘indignado’ com os ataques forçados do lutador americano, Sonnen, contra nossa “pátria amada, idolatrada, salve, salve” é ser patriota. Desnecessário dizer que esta “briga” não passa de uma estratégia para conquistar adeptos a esse esporte. Verdade, esqueci que falávamos de esporte. MMA é uma luta, uma modalidade desportiva, não briga de rua.

Muita pretensão de um blog com o nome Jornal de Rolé dizer o que as pessoas devem ou não fazer, devem ou não escutar, devem ou não assistir. Mas, despretensiosamente, esse blog aconselha as pessoas a não se dedicarem tanto a coisas que desaparecem em um mês. Tecnologia? Dinâmica? Geração digital? Era da informação? Faz uns dias, passei a tarde inteira sentado no gramado do Parque do Lago conversando com uma amiga. Não estava conectado no Face para “comemorar” a chegada da sexta-feira, meu celular estava desligado, não tinha ipod, iped, ifone, nem tablet por perto. E eu estava feliz.

*Estudante de Comunicação Social com habilitação em jornalismo.